Cabelo ruim.
Por José Luiz Quadros de
Magalhães
Para o quê um cabelo é bom? Toda vez que ouço esta expressão me faço esta
pergunta: para o quê o cabelo é bom ou ruim? Acho que deve ser para pentear.
Mas e se a pessoa não gosta de pentear o cabelo? Eu, por exemplo, não gosto de
pentear e mantenho mensalmente meu cabelo com, no máximo, três centímetros de
tamanho. Logo o cabelo ruim para mim é o cabelo bom para quem gosta de pentear.
O cabelo bom então seria aquele que não precisa pentear. Ora, mas pentear para
que? Porque o cabelo deve ser condicionado a permanecer com todos os seus fios
na mesma direção. Poderíamos democratizar o cabelo e deixar que os fios fossem
para o onde quiserem.
O cabelo
pode virar arte. O problema do cabelo arte é a submissão dos fios
(individualmente e coletivamente) à vontade do artista (a submissão do dono (?)
do cabelo também é radical: alguns nem mexem a cabeça). Ora, a estética pode
ser extremamente autoritária. Teríamos assim o totalitarismo imposto aos fios
de cabelo. Cada grupo de cabelo teria sua função pré-determinada e não poderia
fazer outra coisa. Sair da formação implica em severa punição. O fio ou grupo
de cabelo que não obedece ao artista pode ser excluído para sempre. Pode ser
cortado!
Esta
intervenção valorativa da cultura sobre os fios e grupos de cabelos tem a
finalidade de obrigar os cabelos (fios e grupos) a funções para as quais eles
não nasceram para fazer. A cultura e o poder, assim, agem sobre os cabelos
(fios e grupos) para submetê-los à vontade autoritária e preconceituosa da
cultura, para obrigá-los a se comportarem e se posicionarem de tal forma que
ajudem no processo de dominação hegemônica.
Assim, o
poder obrigará o dono do cabelo (mas o cabelo tem dono? O cabelo é escravo?) a
enquadrar o seu cabelo. Ora, se o cabelo se torna escravo do dono o dono também
é escravo do cabelo, principalmente quando ele é obrigado a negá-lo
diariamente. Por exemplo: o dono (a dona) estica o cabelo diariamente, ou faz
uma escova progressiva que deve ser renovada a cada três meses. De outra forma,
os (as) donas (donos) de cabelos esticados, anelam os seus cabelos com certa
freqüência (optei pelo português antigo só pra contrariar, pois querem me
escravizar dizendo como devo falar e escrever: a quem pertence o idioma que
falamos?). Eu não sou cabelo.
Existem
aqueles que fogem dos seus respectivos cabelos e raspam a cabeça para não se
enquadrarem em determinado grupo que rejeitam. Estes já sofrem toda a força do
poder hegemônico e se negam diariamente. Outros deixam o cabelo do rosto
crescer; outros não podem deixar o cabelo do rosto crescer; outros têm cabelos
bonitos; outros têm cabelos feios (quem diz o que é feio e bonito?); outros têm
cabelos compridos; outros não podem ter cabelos compridos e muito menos
despenteados; alguns despenteiam cuidadosamente o cabelo para causar a
impressão de que seus cabelos são livres: talvez estes cabelos sejam os mais
escravizados.
O
problema disto tudo, é que o cabelo passa a ser usado como mecanismo de poder,
de estranhamento, de controle, repressão, como mecanismo de exercício de
hegemonia.
Quando os
cabelos finalmente se rebelarão? Ora, a tarefa é difícil uma vez que muitos
cabelos se encontram drogados por química pesada o que condiciona a sua ação e
elimina a sua rebeldia: o shampoo (será que posso escrever shampoo – xampú –
champú – champô - schampuuuuu). Ora, é xampu[1] seu burro, e sem acento. Dicionário Aurelius locuta,
causa finita. E viva a autoridade de quem a tem.
[1] Xampu: [Do hind. Chhamna, ‘amassar’, ‘apertar’, pelo
ingl. Shampoo.] S.m. Substância saponácea, em geral liquida, usada para a
lavagem dos cabelos e couro cabeludo. [Var. gráfica (lus.): champô.] Mas
só em Portugal! (observação do autor). Encontrado no Novo Dicionário
Aurélio da língua portuguesa, terceira edição revista e atualizada, editora
Positivo, Curitiba, 2004.
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