segunda-feira, 18 de novembro de 2013

33- Crônica: Cabelo Ruim



 Cabelo ruim.



Por José Luiz Quadros de Magalhães



            Para o quê um cabelo é bom? Toda vez que ouço esta expressão me faço esta pergunta: para o quê o cabelo é bom ou ruim? Acho que deve ser para pentear. Mas e se a pessoa não gosta de pentear o cabelo? Eu, por exemplo, não gosto de pentear e mantenho mensalmente meu cabelo com, no máximo, três centímetros de tamanho. Logo o cabelo ruim para mim é o cabelo bom para quem gosta de pentear. O cabelo bom então seria aquele que não precisa pentear. Ora, mas pentear para que? Porque o cabelo deve ser condicionado a permanecer com todos os seus fios na mesma direção. Poderíamos democratizar o cabelo e deixar que os fios fossem para o onde quiserem.

O cabelo pode virar arte. O problema do cabelo arte é a submissão dos fios (individualmente e coletivamente) à vontade do artista (a submissão do dono (?) do cabelo também é radical: alguns nem mexem a cabeça). Ora, a estética pode ser extremamente autoritária. Teríamos assim o totalitarismo imposto aos fios de cabelo. Cada grupo de cabelo teria sua função pré-determinada e não poderia fazer outra coisa. Sair da formação implica em severa punição. O fio ou grupo de cabelo que não obedece ao artista pode ser excluído para sempre. Pode ser cortado!

Esta intervenção valorativa da cultura sobre os fios e grupos de cabelos tem a finalidade de obrigar os cabelos (fios e grupos) a funções para as quais eles não nasceram para fazer. A cultura e o poder, assim, agem sobre os cabelos (fios e grupos) para submetê-los à vontade autoritária e preconceituosa da cultura, para obrigá-los a se comportarem e se posicionarem de tal forma que ajudem no processo de dominação hegemônica.

Assim, o poder obrigará o dono do cabelo (mas o cabelo tem dono? O cabelo é escravo?) a enquadrar o seu cabelo. Ora, se o cabelo se torna escravo do dono o dono também é escravo do cabelo, principalmente quando ele é obrigado a negá-lo diariamente. Por exemplo: o dono (a dona) estica o cabelo diariamente, ou faz uma escova progressiva que deve ser renovada a cada três meses. De outra forma, os (as) donas (donos) de cabelos esticados, anelam os seus cabelos com certa freqüência (optei pelo português antigo só pra contrariar, pois querem me escravizar dizendo como devo falar e escrever: a quem pertence o idioma que falamos?). Eu não sou cabelo.

Existem aqueles que fogem dos seus respectivos cabelos e raspam a cabeça para não se enquadrarem em determinado grupo que rejeitam. Estes já sofrem toda a força do poder hegemônico e se negam diariamente. Outros deixam o cabelo do rosto crescer; outros não podem deixar o cabelo do rosto crescer; outros têm cabelos bonitos; outros têm cabelos feios (quem diz o que é feio e bonito?); outros têm cabelos compridos; outros não podem ter cabelos compridos e muito menos despenteados; alguns despenteiam cuidadosamente o cabelo para causar a impressão de que seus cabelos são livres: talvez estes cabelos sejam os mais escravizados.

O problema disto tudo, é que o cabelo passa a ser usado como mecanismo de poder, de estranhamento, de controle, repressão, como mecanismo de exercício de hegemonia.

Quando os cabelos finalmente se rebelarão? Ora, a tarefa é difícil uma vez que muitos cabelos se encontram drogados por química pesada o que condiciona a sua ação e elimina a sua rebeldia: o shampoo (será que posso escrever shampoo – xampú – champú – champô - schampuuuuu). Ora, é xampu[1] seu burro, e sem acento. Dicionário Aurelius locuta, causa finita. E viva a autoridade de quem a tem.





[1] Xampu: [Do hind. Chhamna, ‘amassar’, ‘apertar’, pelo ingl. Shampoo.] S.m. Substância saponácea, em geral liquida, usada para a lavagem dos cabelos e couro cabeludo. [Var. gráfica (lus.): champô.] Mas só em Portugal! (observação do autor). Encontrado no Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa, terceira edição revista e atualizada, editora Positivo, Curitiba, 2004.


UM BOM FILME SOBRE CABELO: HAIR.

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