INFILTRAÇÕES
(Direito à diferença e direito à diversidade)
por José Luiz Quadros de Magalhães
Vimos que a Constituição brasileira
anuncia uma nova perspectiva de compreensão dos direitos de igualdade e
diferença ao reconhecer o direito à diferença como direito individual e
coletivo. Compreendemos que a modernidade se funda em um projeto hegemônico e
europeu que para justificar-se estabeleceu e reproduziu a lógica binária de
subalternização do outro diferente: nós versus eles. Assim o direito e o estado
moderno tem um objetivo essencial que persegue nestes duzentos anos de
modernidade e do qual depende a continuidade do poder centralizado, hegemônico
e hierarquizado deste estado moderno: a uniformização de valores e
comportamentos que passa pela uniformização do direito de família e de
propriedade, o que viabiliza o poder central do estado e da economia moderna.
Partindo destes pressupostos vamos desenvolver a ideia de um direito à
diversidade individual e coletivo como um novo paradigma constitucional que
ultrapassa a lógica binária e um direito à diferença como direito também
individual e coletivo.
Antes de analisarmos a diferença
entre estes direitos de diferença e diversidade vamos procurar compreendê-los
como infiltrações modernas. O que seriam estas infiltrações? Como elas ocorrem
e quais podem ser suas consequências?
No conceito que brevemente
construímos de modernidade vimos que esta é europeia, não existe para todos, é
hegemônica e necessita de uniformizar os menos diferentes, expulsando,
excluindo, exterminando, encarcerando os considerados mais diferentes nestes
500 anos de modernidade europeia. Delimitando o conceito de modernidade em sua
tarefa hegemônica de criação de uniformidades (padrões), podemos compreender
como "infiltrações" os movimentos que contrariam este objetivo.
Temos uma hipótese que se abre para
comprovações e refutações que muito poderão ajudar na compreensão deste projeto
moderno. Em medidas distintas, os movimentos de resistência e por ruptura,
reproduzem os elementos essenciais da modernidade: padronização, uniformização
e pensamento binário subalternizado (nós civilizados versus eles incivilizados),
que se reproduzem em discursos mitológicos da modernidade como o
"universalismo" europeu; a separação do indivíduo da natureza; o
desenvolvimento linear que sustenta o discurso civilizatório ocidental. Mais,
em medidas distintas, os pensamentos político, econômico e filosófico modernos
reproduzem estas hegemonias e mitos, o que pode ser encontrado, por exemplo, em
Hegel, Kant, Marx, e nas construções políticas, econômicas e filosóficas do
liberalismo, socialismo, comunismo, social-democracia e claro, no
conservadorismo de direita, assim como nas exacerbações modernas do fascismo e
do nazismo. Há algo de não moderno? Onde existem as infiltrações e quais são os
movimentos de resistência efetiva que escapam do núcleo moderno?
Neste sentido analisamos o direito a
diferença (individual e coletivo) e o direito à diversidade (individual e
coletivo).
DIEITO À DIFERENÇA
Em que medida ou quantas vezes a
luta e a conquista de direitos dos grupos subalternizados não foi transformada
em permissões de "jouissance" que enquadraram os
"diferentes" nos padrões modernos? O direito à diferença pode ser
considerado uma infiltração na modernidade que pode destruir sua represa de
uniformização e subalternização?
O direito à diferença confronta e
desafia a tarefa do estado e do direito moderno de uniformização de
comportamentos e valores, e de encobrimento, expulsão, encarceramento ou
eliminação daqueles grupos ou pessoas que resistem ou não se adéquam à
padronização. O padrão moderno de hegemonia do "homem branco europeu"
construiu uma sociedade androcentrica, estabelecendo a sua primeira
"outra" diferente: a mulher. A relação entre homens e mulheres,
marido e mulher, explicita o dispositivo "nós" superior e
"elas" inferior[1].
As lutas das mulheres pela ressignificação de seu sentido social, pode se
apresentar de três formas: como resistência; como busca por ruptura; ou ainda, como
infiltração, ao negligenciar o padrão masculino. Em todos os casos, vemos uma
ameaça ao projeto moderno.
Esta luta por direitos das mulheres
(direito a diferença enquanto um direito individual) e os seus mais recentes
fatos e construções teóricas, é importante para exemplificarmos o que
entendemos por resistência; busca de ruptura (confronto); negligencia
(infiltrações); assim como a transformação desta luta em assimilações e
permissões por contaminações pela modernidade.
O luta pelo direito à diferença pode
ser entendido como uma infiltração no projeto moderno de uniformização e
subalternização do outro (diferente) na medida em que, os movimentos sociais
diversos, que lutam por "reconhecimento", forçam sua entrada no
sistema, criando tensões e contradições que podem levar ao comprometimento,
transformação e até ruptura do sistema moderno. Será? Como o sistema reage a
estas tensões? Primeiro, ao pedir reconhecimento, este pedido significa entrar
no sistema. O pedido de reconhecimento pelo sistema é um pedido de acolhimento
pelo sistema, o que pode significar que estamos a um passo da transformação de
um direito em uma permissão, assim como a contaminação desta luta pela lógica
do sistema. Assim, esta luta por reconhecimento deixa de ser contradição em
relação ao sistema (moderno) e passa a ser comandada pelos mesmos princípios
uniformizadores e binários subalternizados da modernidade.
Um exemplo disto podemos encontrar
na história, na luta de mulheres revolucionárias, que já foi por um novo
sistema (ainda há exceções) que supere as exclusões e passou a ser
majoritariamente uma luta pelo reconhecimento de direitos pelo sistema, o que
mantém algum tipo, sempre, de exclusão. A líder operária norteamericana
"Mother Jones" (Mary Harris, imigrante pobre irlandesa que participou
da fundação do partido socialista dos EUA em 1901) discursou no inicio do
século XX: "Fora a derrota total do sistema capitalista, não vejo nenhuma
solução. Em meu juízo, o pai que vota pela perpetuação deste sistema é tão
assassino quanto se pegasse um revolver para matar seus próprios filhos."[2]
O projeto de mudar todo o sistema é
transformado, nas últimas décadas do século XX, em reivindicações pontuais e
fragmentadas, de grupos que passam a atuar individualmente e reproduzem a
lógica moderna "nós x eles" como por exemplo "nós" mulheres
versus "eles" homens. Judith Butler[3]
nos chama atenção para muitos casais gays femininos que reproduzem a lógica
binária "masculino versus feminino" fundado no pensamento binário de
subalternidade do outro, onde se vê uma pessoa assumindo o papel masculino de
opressão (com violência física e/ou moral) sobre a outra pessoa do casal que
desempenha o papel histórico moderno da subalternidade feminina.
Butler nos chama a atenção para a
necessidade de superar o pensamento binário na questão de gênero (ou mesmo
superar o gênero) para evitar reproduzir a opressão binária presente no
conceito de sexo (bilógico) e de gênero (social cultural naturalizado).
Citando Judith Butler:
"Aunque algunas lesbianas
afirman que la identidad lésbica masculina no tiene nada que ver con "ser
hombre", otras sostienen que dicha identidad no es o no ha sido más que un
camino hacia el deseo de ser hombre. Sin duda estas paradojas ha proliferado en
los últimos años y proporcionan pruebas de un tipo de disputa sobre el género
que el texto mismo no previó."[4]
Ao se referir ao não previsto no
texto, Judith Butler se refere a um texto seu que fundamentou o inicio do
desenvolvimento da teoria Queer.
Vemos aí o exemplo de que, o que
aparece como resistência, se transforma em luta por ruptura e reconstrução de
sentidos, pode acabar por se transformar em aceitações de
"permissões" que contaminam a luta por direitos de diferença
reproduzindo de novo o padrão moderno "uniformizador" e "binário
opressivo" que rebaixa ou subordina um outro, qualquer outro.
A história do movimento gay, em busca de revolução e
construção de uma outra sociedade onde haja espaço para "todxs"[5],
nos ajuda a compreender as perigosas armadilhas modernas e nos leva ainda a entender
como, mesmo exigindo uma outra sociedade igualitária economicamente (e não só),
a esquerda caiu em várias armadilhas modernas: "En la noche del 27 de
Junio de 1969, la polícia irrumpe en Stonewall Inn, un bar gay de Nueva York
frecuentado por travestis afroamericanos y portorrinqueños. Aropellos, redadas,
arrestos: el control se excede e degenera. Se suceden tres noches de motines que
radicalizan el movimiento homosexual y desenbocan en la creación del Gay
Liberation Front (GLF)".[6]
Na obra "Gay Manifesto" de
Carl Wittman (1970)[7], o
autor assiná-la que é necessário unir a luta dos oprimidos associando
compromisso revolucionário com emancipação social. Para o autor é necessário
perceber que os heterossexuais, assim como os brancos, homens, anglofonos e
capitalistas, só percebem o mundo em um registro binário hierarquizado onde 1 é
inferior a 2 que é inferior a 3 e assim por diante. Não há lugar para a
igualdade e as oposições binárias sempre remetem a um inferior: homem/mulher;
heterossexual/homossexual; patrão/empregado; branco/negro; rico/pobre. Nos EUA
o movimento revolucionário Gay pretende estabelecer uma nova ordem que lute por
um mundo sem os padrões uniformizadores e o padrão binário de subalternização
do outro. Na década de 1960/70 o discurso do GLF seduziu o Black Panther Party
(BPP) e os lemas "Black is Beautiful" e "Gay is good" foram
vistos juntos. Em 1970, na "Revolutinary People's Constitutional
Convention" defendia-se a união das lutas dos "outros"
subalternizados e excluídos pela modernidade: a união de negros, mulheres e
gays para a construção de um outro mundo.
Na década de 1970, dezesseis grupos
revolucionários como o Gay Liberation Front, representando 10 países, se
reuniram para formar uma Internacional Homossexual Revolucionária (IHR). Na
França, a Frente Homossexual de Ação Revolucionária (FHAR) associava a defesa
de mudanças radicais dos costumes e transformação social. Esta história nos é
especialmente importante para pensarmos nossa hipótese. A defesa da Frente é a
mudança da sociedade, ruptura com o capitalismo e o que este sistema econômico
traz com ele: a uniformização de costumes e valores assim como com os registros
binários (o dispositivo moderno nós superiores versus eles inferiores).
Tratava-se mais do que uma resistência, era a ruptura e a ressignificação do
mundo. Em que medida esta ruptura poderia efetivamente romper com os elementos
essenciais da modernidade acima mencionados? O movimento representava mais do
que uma infiltração nas estruturas modernas, não se tratava apenas (o que não é
pouco) de pessoas e coletivos fazendo diferente no meio do sistema[8],
era abertamente contrário, combatia os alicerces modernos uniformizadores e
binários: não apenas negligenciava (profanava) o sistema mas o combatia
frontalmente[9].
Na luta por transformação a FHAR
procurou alianças políticas. Os seus militantes atuavam em grupos de trabalhos
temáticos, distribuíam folhetos e organizavam reuniões de informação. A
aproximação com o Partido Socialista francês não funcionou. Bem moderado, o
Partido atuava dentro do jogo político representativo moderno e entendendo ser
prudente e conveniente para seus interesses, dizia que as preferências sexuais
pertenciam à esfera privada (grave equivoco) e que não mereciam posições
políticas. O Partido Socialista Unificado, é mais simpático às FHAR mas não
compartilha das propostas revolucionária da Frente. Diante disto, os olhares se
voltam à extrema esquerda. Guy Hocquenghem, comprometido com a organização
maoista VLR (Vive la Revolution) sugeriu a utilização do períodico "Tout", na época dirigido por
Jean Paul Sartre, que abre as portas à Frente. Alguns membros das FHAR redigem
as quatro páginas centrais do periódico. Defendem, entre outras coisas, que os
homossexuais saiam do gueto mercantil em que a sociedade burguesa os colocou.
No dia 1 de Maio de 1971 as FHAR procuram se aproximar ainda mais do movimento
operário. Alguns gays radicais desfilam ao lado dos sindicatos carregando um
grande cartaz que diz: "Abaixo a ditadura dos normais". Entretanto, a
aceitação do movimento revolucionário gay encontrará muitas dificuldades e será
combatido à direita e à esquerda. De maneira que ilustra bem a nossa hipótese (da
necessidade de compreender a modernidade para compreender o capitalismo e as
possibilidades de sair deste sistema), o discurso binário de esquerda é
reafirmado: a luta é entre capital e trabalho; trabalhadores versus
capitalistas, e não entre normais e anormais. Este discurso ignora todos os
ataques ao pensamento e a luta de esquerda que foi criminalizada e "anormalizada"
no decorrer do século XIX e XX, sendo combatida com o direito penal, a medicina
e a psiquiatria. Este discurso reproduz o pensamento binário subalternizado e a
uniformização, essenciais à modernidade, e tarefa principal do estado e do
direito modernos. A esquerda caía na armadilha moderna, se é que, efetivamente,
esteve, de forma majoritária, fora dos grilhões da modernidade[10],
em algum momento. A concepção de história, de esquerda, foi, e ainda é, em
muitos casos, uma concepção linear moderna, encontrando, entretanto,
importantes críticas em autores como Walter Benjamin. [11]
O flerte entre o movimento
revolucionário e o projeto revolucionário operário tem um triste episódio que
pode ilustrar como o Partido Comunista Francês sucumbe à modernidade, e logo,
compromete qualquer projeto revolucionário efetivo[12].
Em 1972, Pierre Juquin resume a posição do Partido Comunista Francês afirmando
que: "La cobertura de la homossexualidad o de la droga nunca tuvo nada que
ver con el movimiento obrero. Tanto una como la otra representan incluso lo
contrario del movimiento obrero."[13]
Durante um encontro do Partido,
Jacques Duclos (que foi candidato à presidência da França pelo PCF), ao ser
perguntado por um militante das FHAR se o Partido Comunista tinha revisto suas
posições sobre supostas perversões sexuais, agride verbalmente de forma
violenta todos os militantes gays com um discurso muito semelhante a um
discurso religioso de direita, ao afirmar que "as mulheres francesas são
sãs; o PCF é são; os homens são feitos para amar as mulheres".[14]
O que assistimos desde então, é uma
cada vez maior fragmentação das lutas por direitos, o que compromete o seu
sucesso, facilita o atendimento de demandas por meio de permissões, divide os
grupos oprimidos ("elxs") e inviabiliza ou dificulta extremamente
qualquer projeto alternativo de construção de uma sociedade plural, não
hierarquizada (entre nós versus eles) e não excludente. Um ponto para
investigação e reflexão pode ser realizado a partir destas conclusões: em que
medida o movimento gay, o movimento feminista, entre outros, de movimentos de
resistência, de ruptura ou de negligencia (profanação) em relação à modernidade,
se transformaram em movimentos reivindicatórios de permissões de
"jouissance" por parte do estado. Fica, por enquanto, a provocação.
Ao combater o capitalismo moderno,
as esquerdas e vários de seus mais importantes pensadores (não generalizando, é
claro), reproduzem a lógica binária; a linearidade histórica e o universalismo
"europeu", estranhando e subalternizando o diferente. Mais uma vez ocorre
a contaminação pela modernidade de lutas de resistência ou de lutas por
rupturas. Vislumbramos lutas internas de transformação da modernidade, mas as pretensões de rupturas
revolucionárias não se mostraram tão profundas, pois, ao pretender romper com a
economia capitalista moderna, estes movimentos não foram capazes de ver dispositivos
modernos uniformizadores e excludentes, mantendo-os intactos. Pensando desta
forma, a ruptura não era tão grande assim, e talvez este ponto tenha sido um de
seus grandes problemas: a violenta ruptura revolucionária manteve funcionando
os dispositivos e mecanismos modernos mencionados. A revolução deve ser para a
superação da modernidade (sua essência excludente uniformizadora e binária
opressora) e não apenas contra um sistema de produção essencialmente excludente
pois binário opressor e uniformizador: o capitalismo. Acrescentamos neste ponto
uma reflexão importante a partir de Agambem e o seu conceito de profanação:
talvez a revolução não precise e não deva ser contra a modernidade, mas a
revolução radical ocorrerá com a "profanação" da modernidade, com a
negligência diária aos seus mecanismo excludentes e uniformizadores: a isto
chamamos de infiltrações. Estas infiltrações diárias aumentam constantemente
até um ponto de possível ruptura da "barragem" moderna ou sua
superação por meio de transformações estruturais. Um trabalho a ser feito, pode
ser o de identificar as pequenas diárias "profanações".
Judith Butler começa a nos falar em
diversidade, para além da diferença.
DIREITO À DIVERSIDADE
Quando falamos em direito a diferença devemos perguntar:
diferente de que?
Se o direito à diferença enquanto
direito individual é uma infiltração na modernidade, o direito à diferença como
direito coletivo traz um potencial ainda maior de comprometimento da
uniformização moderna. O estado moderno sempre reagiu com enorme violência a
toda tentativa de se estabelecer um sistema alternativo de organização social
que não funcionasse sobre as bases modernas uniformizadas, hierarquizadas e
binárias subalternas. No Brasil, apenas no século XXI encontramos alguns
processos mais efetivos de "reconhecimento" de direito dos povos
quilombolas e sua forma distinta de organização de direito propriedade.
Entretanto, se de um lado se ampliam os reconhecimentos e aumenta a população
quilombola, de outra aumentam os ataques no sentido de descaracterizar sua
cultura e forma de viver e se organizar.
Mas, tudo isto ainda é muito
moderno: ao admitirmos um direito à diferença como direito individual ou
coletivo, admitimos que o estado (moderno) ainda pode e deve estabelecer
padrões superiores de organização social e comportamento individual. Quanto
falamos em direito à diferença devemos nos perguntar: diferente de que?
Respondemos: do padrão civilizatório, do padrão do bom, do melhor, estabelecido
pelo estado e seu direito: "reconheço o outro diferente, na sua diferença,
mas deixo claro sua diferença enquanto algo estranho, que foge aos padrões de
civilização moderna masculina, branca e europeia".
As Constituições da Bolívia e
Equador vêm construir um outro direito: o direito à diversidade enquanto
direito individual e coletivo.
Como mencionado no inicio deste
texto, vários são os pontos de ruptura com a modernidade que podem ser
percebidos e precisam ser discutidos. Estes pontos de ruptura podem significar
uma reconstrução da Teoria da Constituição, da Teoria do Estado e mesmo da
Teoria do Direito modernas. Em vários outros textos trabalhamos alguns destes
aspectos, como a superação da democracia majoritária e a reconstrução da
relação entre Constituição e Democracia; a superação da formula "Roma
Locuta, Causa Finita" que marca o funcionamento do Judiciário moderno e da
mesma democracia representativa majoritária; a superação de um sistema
monojurídico com um único direito de família e de propriedade, por um sistema
plurijurídico; uma nova concepção de pessoa singular plural e processual e uma
nova concepção de natureza que inclui toda a vida, incluindo da pessoa.
O núcleo destas transformações está
na construção de um espaço de diversidade, na proteção constitucional ao
direito à diversidade como direito individual e coletivo. O direito à
diversidade não se confunde com o direito à diferença, que mencionamos
anteriormente. No direito à diferença (individual ou coletivo) o estado e o
sistema jurídico moderno continuam atuando no sentido de reconhecer, de incorporar
aos seus padrões, ainda estabelecendo uma referência de melhor. O processo pode
ser expresso na seguinte equação: o ordenamento reconhece o outro diferente
(estranho, esquisito, fora dos padrões), enquadra na lei, protege sua
manifestação como algo fora do padrão, e permite a existência e manifestação.
Um reconhecimento de existência (como se para existir fosse preciso o olhar
deste grande pai: o estado e seu direito) e uma permissão de "jouissance".
As lutas de diversos grupos "minoritários" por direitos é uma luta
por reconhecimento e permissão ou por conquista de direito? É uma luta pela
incorporação no sistema ou pela construção de um outro sistema?
O direito à diversidade segue outra
lógica. Em primeiro lugar não há permissões nem reconhecimentos. Não há inclusão
por que não pode haver exclusão. A lógica pode ser resumida na seguintes
frases: "existo e me apresento na minha existência". "Não
dependo do seu olhar ou de seu registro para que eu exista".
Reconhecimento significa conhecer de novo, significa enquadrar no já conhecido.
Trata-se de uma forma de enquadrar o novo nos padrões existentes ou de
simplesmente não conhecer o novo, ou ainda não possibilitar a existência do
novo, como tal, de forma autônoma. Reconhecer significa ainda manter a lógica
binária incluído/excluído. Se sua existência depende do reconhecimento, ao
reconhecê-lo afirmo a possibilidade, também, de não reconhecê-lo.
Na lógica da diversidade não há mais
reconhecimento pois não há mais um padrão do melhor: diferente de que? Não há
mais este "que" ou "quem" que se estabelece como referência
do bom. O outro não é mais o inferior, a ameaça, o medo; o outro se transforma
na possibilidade do novo. O outro é aquele que tem o que eu não tenho, e eu tenho
o que ele não tem. Assim os outros representam uma possibilidade imensa de
crescimento e aprendizado para todos os outros e para mim.
Portanto, um espaço de diversidade é
um espaço de existência livre comum. O espaço de diversidade é o espaço de
diálogo permanente em busca de consensos sempre provisórios. O espaço de
diversidade requer uma postura de abertura para com o outro, os outros. Ouço o
outro não para derrotar seu argumento, não para vencê-lo, o que impossibilita o
diálogo, ouço o outro para aprender com ele assim como o outro me ouve para
aprender comigo. A resultante do diálogo obrigatório nos espaços de diversidade
não será uma fusão de argumentos, nem uma soma de argumentos, muito menos a
vitória de um argumento, mas sim um novo argumento, construído pela postura de
abertura, onde todos devem abrir mão de alguma coisa para que todos possam
ganhar alguma coisa, e tudo pode ser permanentemente discutido e rediscutido.
O direito à diversidade (individual
e coletivo) parte do pressuposto da complementaridade. No lugar de hegemonias,
linearidades históricas, superioridades culturais, missões civilizatórias ou
proselitismos, a diversidade é convivência que tem por base a lógica de
complementaridade: os que os outros têm eu não tenho, os que os outros não têm,
eu tenho, somos assim complementares.
[1]
O
lugar da mulher não é o mesmo nas "outras" culturas que foram
subalternizadas na modernidade, embora a subalternidade feminina possa ser
encontrada em vários outros tempos históricos.
[2]
GORN, Elliot J., "Motehr Jones, la madre del sindicalismo
norteamericano" in BREVILLE, Benoît et VIDAL, Dominique (compiladores);
Revoluciones que cambiaran la historia - sociales, políticas, nacionales,
culturales, sexuales. 1 ed. Buenos Aires, Capital Intelectual, 2012, pagina 19.
[3]
BUTLER, Judith. "El genero en disputa - el feminismo y la subsversion de
la indentidad", Paidós, Barcelona, Buenos Aires, México, 4 impression,
marzo 2011.
[4]
BUTLER, Judith. "El genero en disputa - el feminismo y la subsversion de
la indentidad", Paidós, Barcelona, Buenos Aires, México, 4 impression,
marzo 2011, pag.13.
[5]
"Todxs" é uma tentativa de comunicar o que os idiomas modernos e sua
gramática padronizada não nos permite. Todxs significa inclui para além de
homem e mulher, qualquer dos diversos gêneros socialmente construídos e
existentes, assim como para além de qualquer gênero ou classificações
limitadoras.
[6]
BREVILLE, Benoît, "Homosexuales e subversivos" in BREVILLE, Benoît et
VIDAL, Dominique (compiladores); Revoluciones que cambiaran la historia -
sociales, políticas, nacionales, culturales, sexuales. 1 ed. Buenos Aires,
Capital Intelectual, 2012, pagina 19.
[7]
BREVILLE, Benoît, "Homosexuales e subversivos" in BREVILLE, Benoît et
VIDAL, Dominique (compiladores); Revoluciones que cambiaran la historia -
sociales, políticas, nacionales, culturales, sexuales. 1 ed. Buenos Aires,
Capital Intelectual, 2012, pagina 19.
[8]
A ideia de infiltração como contradição interna no sistema, com a presença de
práticas que negam a sua essência e pode, em um momento, comprometer o
funcionamento deste, pode ser complementada pela ideia de negligência,
profanação do sistema, na ideia desenvolvida por Giorgio Agambém em seu livro
Profanações da editora Boitempo.
[9]
Não quero dizer que negligenciar não tem a força de destruir o sistema. Talvez
hoje a negligência em relação ao sistema (a profanação no significado
trabalhado por Giorgio Agambem) seja a maneira mais eficaz de construir um
outro mundo.
[10]
Para entender o texto é necessário lembrar o sentido de "modernidade"
empregado no texto.
[11]
BREVILLE, Benoît, "Homosexuales e subversivos" in BREVILLE, Benoît et
VIDAL, Dominique (compiladores); Revoluciones que cambiaran la historia -
sociales, políticas, nacionales, culturales, sexuales. 1 ed. Buenos Aires,
Capital Intelectual, 2012, pagina 35.
[12]
Na perspectiva de que a modernidade (representada pelo estado e o direito
moderno) cria e sustenta o capitalismo e logo, qualquer tentativa de superar
este sistema econômico deve implicar na compreensão para superação da modernidade
nos seus elementos nucleares: uniformização e logo rejeição da diversidade;
falsa universalização; justificativas de poder sustentadas sobre o pensamento
binário de subalternização do outro; história linear; separação do individuo da
natureza e concepção de um individuo monolítico, não processual e isolado.
[13]
[13] BREVILLE,
Benoît, "Homosexuales e subversivos" in BREVILLE, Benoît et VIDAL,
Dominique (compiladores); Revoluciones que cambiaran la historia - sociales,
políticas, nacionales, culturales, sexuales. 1 ed. Buenos Aires, Capital
Intelectual, 2012, pagina 19.
[14]
[14] BREVILLE,
Benoît, "Homosexuales e subversivos" in BREVILLE, Benoît et VIDAL,
Dominique (compiladores); Revoluciones que cambiaran la historia - sociales,
políticas, nacionales, culturales, sexuales. 1 ed. Buenos Aires, Capital
Intelectual, 2012, pagina 19.
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