Quem diz
o que é ético?
por José Luiz Quadros de Magalhães
por José Luiz Quadros de Magalhães
O que é uma sociedade ética? Uma
sociedade ética é uma sociedade que acredita que os valores que sustentam suas
relações podem ser incorporados por todos: as pessoas agirão eticamente por que
acreditam que a conduta ética é o melhor caminho e não por que têm medo do
direito penal, do Joaquim Barbosa, do aparato estatal. Respeito o outro por que
estou convencido que este é o melhor caminho e não porque tenho medo da
repressão.
Um pergunta necessária: Quem diz o que é direito, o que é justo, o que é legal,
o que é normal, o que é crime? O que é crime em uma sociedade pode não ser
crime em outra sociedade, o que é crime em um momento histórico pode não ser
crime em outro momento. Crime é um conceito histórico, como são conceitos
históricos "justiça"; "direito"; "normalidade" e
"anormalidade".
Quem diz o que é normal. Ora, a resposta é fácil de ser encontrada: quem tem
poder para dizer. E, quem tem poder para dizer? Ainda hoje, tem poder para
dizer, quem detém o controle do poder econômico, do poder do estado, quem
controla os aparelhos ideológicos e repressivos do Estado moderno. Será que
existe alguma conexão, em alguns países, o fato do crime de usura (cobrar juros
altos) não ser mais crime com o fato dos recursos para financiamento da
campanha eleitoral vir em grande medida dos Bancos¿ Será que podemos relacionar
o fato dos parlamentares de algum país, descriminalizarem a usura, com o fato
das campanhas eleitorais serem financiadas por banqueiros? Esta afirmação não
se relaciona com nenhum fato específico. Convém entretanto pesquisar a
respeito. Isto é somente uma hipótese para reflexão.
Uma reforma estrutural no sistema político; a adoção do financiamento público
de campanha; a proibição de reeleição; estas e outras medidas poderiam ajudar
no combate à corrupção. Poderíamos dizer que seria um passo importante, mas
ainda não chegaríamos ao núcleo do problema. Trata-se do inicio de um reforma
estrutural do sistema político mas que ainda necessita de transformações nas
estruturas sociais, culturais e econômicas que geram a corrupção. Lembremos o
conceito inicialmente trabalhado. Impossível resolver a violência subjetiva sem
eliminar a violência objetiva e simbólica. O mesmo vale para a corrupção:
impossível resolver a corrupção subjetiva sem a eliminação da corrupção
objetiva (estrutural) e simbólica, permanentemente presentes em uma sociedade
fundada sobre valores egoístas, materialistas e competitivos. Impossível
eliminar a corrupção quando esta é incorporada como valor social e legalizada
em diversos aspectos.
Uma pergunta: e se o parlamento fosse integrado por pessoas corruptas que transformassem
em lei práticas corruptas. Em outras palavras: e se legalizassem a corrupção
como legalizaram a usura?
O conceito de ética e de corrupção deve ser uma construção conjunta, livre,
dialógica, consensual em uma sociedade livre das engrenagens corruptas
presentes nas estruturas sociais, econômicas e políticas modernas e fortemente
impregnadas nos elementos simbólicos das representações de mundo presentes em
nossos cotidianos. Em outras palavras: acabar com a corrupção exige compreender
as estruturas objetivas e simbólicas da sociedade capitalista construída na
modernidade e eliminá-las. Sem isto ficaremos permanentemente repetindo
políticas públicas pontuais reapresentadas periodicamente com nova embalagem,
políticas estas que não funcionaram no passado e não funcionarão no futuro.
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