Seres
coletivos, nós somos: sobre teorias e simplificações
por José Luiz Quadros de Magalhães
As teorias enquanto
simplificações coerentes sistematizadas do real observado constroem códigos
próprios que passam a ser instrumentos não só de compreensão mas também de limitação
do campo de compreensão e muitas vezes como exercício de poder de grupos sobre
outros grupos. Ou seja, se o conhecimento pode ter o condão de libertar, pode
também, um conhecimento elitizado, escondido em códigos secretos, ou labirintos
lingüísticos, tornar-se fator de dominação ideológica, dominação esta,
fundamental para a legitimação de poderes excludentes.
Simplificando e procurando
simplificar a saída do labirinto, podemos pensar que o conhecimento científico,
organizado e sistemático, construído sobre bases metodológicas, explica e
reorganiza práticas que têm seu método e coerência própria, ou em outras
palavras: o conhecimento popular e as práticas sociais não se resumem às
manifestações tradicionais não reflexivas, fundamentos religiosos e preconceitos,
enquanto que, a ciência moderna, impregnou-se de preconceitos, novas
sacralizações e verdades formais arrogantes e pré-potentes. Sem negar um e
outro, ou sem escolher um ou o outro, a história pode nos ensinar que por meio
de uma racionalização podemos organizar a produção de um conhecimento
construído no cotidiano, retirando os preconceitos e tradições não reflexivas
do que chamamos “senso comum”, desde que a ciência também não construa
preconceitos sofisticados e novas sacralizações para uma nova prática
religiosa; ou: muitas pessoas em muitos momentos da história acharam que
inventaram a roda, e muitos ainda continuam inventando, de novo e de novo...
Um outro problema decorre
destas reflexões e se refletem diretamente no Direito moderno: a crença no
individuo como unidade desconectada do entorno, como uma pretensão de soberania
de vontade que permanece no tempo e como uma pessoa que permanece
essencialmente a mesma. Em outras palavras uma identidade individual
permanente. Esta ficção liberal pretende atribuir aos indivíduos criações,
construções, invenções, inovações que são construções históricas permanentes e
logo não podem ser apropriadas pelo individuo. Assim, em algum momento, a
partir de uma construção histórica coletiva, alguém chega a um resultado, uma
nova teoria, uma descoberta científica, uma inovação tecnológica, uma obra
artística, etc. A lógica individualista leva a que esta pessoa se aproprie de
anos, décadas, séculos de construção. Assim aprendemos que "fulano"
inventou isto, "cicrano" descobriu aquilo outro e assim por diante.
Essa pretensão não nos permite compreendermo-nos como seres singulares e
coletivos que somos, sempre fruto da vivencia com os outros. Marx não produziu
sua teoria do nada, assim como Santos Dumont não partiu do zero para a
construção de seu 14 Bis, e assim por diante. Tudo é fruto de processos
coletivos de construção permanente, inclusive nós mesmos. A genialidade de
algumas pessoas nos faz visualizar uma espécie de pescador: alguém que sem
esforço encontra melodias, pesca sinfonias, e como que uma antena aberta ao
universo é capaz de visualizar obras magistrais. Outros de nós são
sistematizadores, capazes de captar séculos de construção e sintetizá-los em
uma criação útil. Mas o que é fundamental para compreensão do complexo processo
de transformação por que passamos, é a percepção de uma dinâmica e complexa
unidade de uma história que se constrói permanentemente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.