O direito
penal não resolve.
por José
Luiz Quadros de Magalhães.
A presidenta Dilma sancionou mais uma lei punindo com mais rigor as pessoas que dirigem alcoolizadas. Mais controle, mais punição, mais direito penal. É claro que isto não resolverá o problema. É necessário buscarmos a causa de tanta violência e para isto é necessário analisar as os fatores cultural, estrutural (socioeconômico) e simbólica de nossa sociedade. De repente o direito penal, o processo penal ganhou centralidade: todas as soluções passam por leis mais duras, mais penas, cadeia, punição. É a repetição com uma outra roupa do que já foi feito várias vezes e nunca funcionou. Estão nos fazendo de bobos, de novo: o direito penal não resolverá problema algum.
Nesta perspectiva podemos levar nossas reflexões para o Brasil, 2012, segundo semestre, às vésperas das eleições municipais e a ação penal 470, a ação penal que nos redimirá dos pecados e eliminará a corrupção de nossa sociedade.
O pano de fundo do
julgamento é construído pela insistente campanha dos principais meios de
informação (a grande mídia) que aposta na punição, na punição dos políticos
corruptos e claro, na continuidade da punição dos pobres, dos excluídos, dos
não enquadrados, dos não uniformizados e normalizados. As cidades, a exemplo da
Paris do Barão Haussmann (1853-1867), não é para todos. A higienização urbana
(a exclusão dos pobres) continua sendo a mais nova política urbana do século
XXI. O direito penal é a grande aposta. A ideia também não é nova. Se voltarmos
ao século XIX nos reencontramos com este morto vivo que perambula pelo século
XXI. A brutal concentração de riquezas causada pela aposta em uma economia
naturalizada que recompensará o mais ousado e eficaz competidor no mercado gera
a exclusão; a exploração radical do trabalho; a desigualdade, e com esta, a
crescente insatisfação, que se traduz em rebeliões difusas de um lado (o que se
pode chamar de uma criminalidade "comum") e rebeliões políticas de
outro lado (que são também criminalizadas pelo Estado ocupado pelos grandes
proprietários). Em meio a tamanha insatisfação causada pela desregulamentação
econômica que agrava a concentração de riqueza e deixa livre os grandes proprietários
para o abuso do poder econômico (qualquer semelhança com a atual crise não é
mera coincidência), a resposta do Estado será (estamos no século XIX) mais
direito penal; mais encarceramento; mais controle social; mais polícia; mais
manicômios e presídios. Toda uma justificativa ideológica é construída para
explicar a situação. Os problemas econômicos não são sistêmicos mas atribuídos
às condutas de alguns indivíduos. A criminalidade tampouco é sistêmica, e não
se reconhece nenhuma conexão desta com o sistema econômico, social e cultural
do liberalismo. Se existe crime é por causa dos indivíduos que escolhem o
caminho do mal ou são doentes mentais. O poder do Estado, nas mãos dos
proprietários, define o que é crime, normalidade e pecado, o que, é claro, são
as condutas dos pobres excedentes do sistema econômico. Este retrato do século
XIX restaurado com cores falsas no final do século XX é colocado em grandes
imagens globalizadas no século XXI. Este é o pano de fundo para o
"espetáculo" transmitido diariamente para todo o país. Onze juízes,
vaidosos, com poses e gestos, com capas pretas até o tornozelo, sentindo-se a
consciência moral do país, julgam e condenam sem provas mas segundo
"indícios fortes" (alegação transmitida e gravada pela TV para todos
ouvirem). Não, não estamos no século XVI. O mais interessante é a coincidência
do julgamento com as eleições municipais.
O julgamento dos políticos envolvidos na acusação, coincide, quase, com o dia
do pleito eleitoral municipal de 2012. Coincidências a parte, lembramos que os
fatos que envolvem o julgamento foram utilizados para uma tentativa de
"golpe de estado" contra o presidente eleito democraticamente e no
poder em 2005 (no novo formato de golpe utilizado em Honduras e Paraguai - o
golpe parlamentar travestido de falsa legalidade).
Não, o direito penal não resolverá a corrupção. A corrupção está na estrutura e
nas representações simbólicas de um sistema social, econômico e político
intrinsecamente corrupto. A corrupção está no futebol de toda semana; na fila
furada; na propina diária; nas pequenas vantagens; a corrupção está na sala de
aula; no assinar a presença sem estar presente na aula; na mentira na mídia; na
mentira e no encobrimento; na notícia distorcida; nas coincidências... No jogo
do roto e do esfarrapado só um é mostrado como tal. Assim como vimos apoiadores
da ditadura acusando democratas de autoritários, assistimos corruptos
"históricos" pronunciando discursos históricos de moralidade.
Efetivamente, o direito penal não resolverá a corrupção. Lei de "ficha
limpa"; o espetáculo televisivo da ação penal 470 (realizado por uma mídia
que se tornou autista); isto não resolverá a corrupção. Felizmente alguma coisa
está fora da ordem (como diria Caetano). Por algum momento "eles" (na
verdade o "nós" no poder) perderam o controle do monopólio da
desinformação diária. A mídia alternativa mostra o que a grande mídia (que
defende a liberdade dos donos dos meios de comunicação e não a liberdade de imprensa)
não mostra, mas propositalmente esconde. O "autismo" em que se lança
a mídia pode ser um sinal de esperança para a conquista da liberdade de
expressão. O "julgamento do século" como insistiu a grande mídia, não
mobilizou ninguém e ainda nos expôs ao pior, à ameaça e comprometimento do
Estado constitucional e democrático por uma prática que lembra um
"tribunal de exceção" (condenação por indícios). Alias, o que vemos
revelado nas telas é o que acontece com muita frequência, de forma não
revelada, com os pobres.
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