segunda-feira, 18 de novembro de 2013

37- Entrevista: "Jornal Mundo Jovem" em 2011



Entrevistas:
I- Entrevista para o Jornal "Mundo Jovem" em 2011.
Entrevista com o professor da PUC-Minas, da UFMG e diretor do Centro de Estudos Estratégicos do Estado (CEEDE), José Luiz Quadros de Magalhães(1). Ele propõe um resgate dos valores, como a honestidade, através do diálogo e do cuidado com as escolhas que fazemos na vida.
Existe, hoje, uma cultura de que a corrupção e a desonestidade são exclusivas dos políticos?
José Luiz: A mídia e especialmente a grande mídia tem vinculado a corrupção com o Estado e os políticos. Em primeiro lugar é importante lembrarmos que os vereadores, deputados estaduais e federais, senadores, prefeitos, governadores e o presidente da república são representantes do povo, escolhidos livremente pelo voto secreto. Precisamos acompanhar o trabalho dos nossos representantes que devem atuar seguindo a nossa vontade e não mais votarmos naqueles que não cumprem corretamente as suas funções. Em segundo lugar, não existe corrupção sem a presença de dois pólos nesta relação criminosa: o corruptor e o corrompido. Então por que a grande mídia fala apenas nos corrompidos que seriam, quase que exclusivamente, os políticos? Será que é possível corrupção sem os dois lados? E quem é o outro lado desta relação? Quem paga as campanhas eleitorais para conseguir contratos com o Estado posteriormente? Quem se beneficia dos gastos públicos em obras, em fornecimento de bens para a administração pública. Precisamos buscar o outro lado desta relação. A corrupção não ocorre só na política e a política reflete valores presentes em nossa sociedade. Não podemos ficar eternamente colocando a culpa em políticos que nós mesmos escolhemos. A grande mídia que só coloca a culpa nos políticos quer na verdade desmoralizar o Estado e a democracia. Existe ainda um terceiro aspecto a ser considerado. Esta corrupção que se manifesta de diversas formas na sociedade não seria fruto de valores predominantes no mundo contemporâneo? Não seria a sociedade de consumo em que vivemos, onde as pessoas valem pelo que têm e não pelo que são, um fator preponderante nestas condutas? Será que uma sociedade fundada no individualismo, no egoísmo, na competição e na acumulação de bens tem futuro? 

A competição e o individualismo, valores saudados como fundamentais em nosso sistema econômico se reflete de diversas formas na vida social. Vivemos uma sociedade da competição permanente: na TV os programas escolhem a melhor música; o melhor cantor; o melhor filme e nós reproduzimos isto no dia a dia quando escolhemos o melhor sanduíche, a melhor pizza, o melhor amigo, o melhor isto e o melhor aquilo. O problema da sociedade do melhor e que nós estamos desaprendendo a viver com a diversidade, com a pluralidade. Por que escolher a melhor música se podemos conhecer muitas músicas boas? Por que escolhermos a melhor pizza se podemos experimentar pizzas diferentes e boas? Por que as coisas não podem ser simplesmente diferentes?

A competição e o egoísmo se refletem em coisas pequenas do nosso dia a dia: desde o motorista do carro que não dá passagem; ao cara que fura a fila do cinema; o comportamento predominante é o "tenho que me dar bem e o outro que se dane". É claro que uma sociedade fundada nestes valores não pode ter futuro. Isto pode virar uma guerra de todos contra todos. Precisamos resgatar a solidariedade e a noção de comunidade como valores sociais fundamentais. A solidariedade pode acabar com a corrupção, fruto da cultura de "se dar bem" a qualquer custo.
Qual o grau de participação dos políticos na manutenção da corrupção e desonestidade no país?
José Luiz: Não acredito que os políticos tenham uma responsabilidade maior na manutenção da corrupção. Os políticos não são a causa do problema. Como disse acima, a causa está, entre outros fatores, em uma sociedade que reconhece como valor supremo o sucesso pessoal representado pela acumulação de bens. É a sociedade do salve-se quem puder. Reparem que isto se reflete no seu dia a dia nas pequenas coisas: no trânsito; nas filas; no campo de futebol; no trabalho; na escola.
Ser honesto é exceção, o normal é ser corrupto? É possível ser honesto?

José Luiz: O normal não pode ser a corrupção pelo simples fato de uma sociedade não sobreviver muito tempo a este valor negativo. O destino da sociedade corrupta é o caos. É claro que é possível ser honesto, e mais, é possível se transformar em uma pessoa honesta. E é muito mais tranqüilo ser honesto.
Uma coisa importante é aprendermos com nossas experiências. Na difícil convivência nesta sociedade complexa fazemos escolhas ou somos levados pela correnteza do cotidiano por caminhos difíceis e que não escolhemos. Nenhuma pessoa é estática, o que significa dizer que o que somos hoje não seremos amanhã. Somos seres históricos. Logo, todos erramos, fazemos escolhas erradas ou somos empurrados como gado a situações que não desejamos. O importante é que mesmo errando podemos aprender com os erros e nos transformarmos em pessoas melhores. Ninguém está condenado a ser a mesma pessoa. Logo, nunca podemos reduzir uma pessoa a um predicado, uma pessoa será sempre uma pessoa, histórica e plural.
E, "fazer negócio", relações econômicas e comerciais não supõem um certo grau de desonestidade? 

José Luiz: Outro dia recebi um folheto de propaganda de um curso no "sinal" de trânsito em que estava escrito o seguinte: "aprenda a vender o mesmo produto do seu competidor por um preço mais alto para o seu cliente." Realmente questiono muito o valor passado por esta absurda sociedade da competição, onde o que importa é a vitória, a qualquer preço. Me pergunto até que ponto, alguns cursos de "administração e negócios" não ensinam isto. Bom, o efeito deste absurdo está na sociedade em que vivemos e que se instalou de forma mais radical no final de 2008. O neoliberalismo reproduziu estes valores negativos desde a década de 1980 e agora começamos a sentir os seus efeitos mais perversos. A crise foi gerada por estes valores que só podem resultar em ganância desenfreada.
Para estabelecer relações econômicas ou fazer negócios não é necessária a desonestidade. A desonestidade é fruto da perda dos limites em uma sociedade que idolatra a competição e o sucesso.
Copiar trabalho da internet, não estudar..., buscar sempre o caminho mais fácil não são sintomas de desonestidade na escola, entre os jovens?
José Luiz: Sim, isto é muito grave. O problema maior no campo da educação é que esta se transformou, nesta sociedade de consumo, em um produto, e o estudante em um consumidor. Isto é o fim da escola. A pior conseqüência é que o estudante, muitas vezes, acredita que o objetivo do curso é o diploma e não o aprendizado. Isto é uma grande ilusão. Ora, se o objetivo é o diploma, o professor o aprendizado o curso enfim, passa a ser um obstáculo para se chegar ao diploma. Perde-se a percepção de que é o aprendizado que importa. Assim, em uma típica inútil relação de consumo o aluno compra a prazo seu diploma para depois pendurar na parede de sua casa. Existem cursos em que alguns estudantes saem piores do que entraram, em outros alguns saem ilesos.

O pior de tudo é quando encontramos estudantes que não querem saber: em meio a tanta informação disponível vivemos o fenômeno da incuriosidade.
Há possibilidade de reverter esse quadro? Como abordar este tema na escola? 

José Luiz: É claro que é possível reverter: precisamos refundar nossa sociedade. Precisamos de solidariedade, fraternidade, diálogo, diálogo, diálogo... Não precisamos de tantas bugigangas, de tanto consumo; não precisamos do egoísmo e a competição deve ficar para os esportes, espaço onde penso até que ponto esta competição é mesmo necessária. Talvez nos esportes devessemos, também, pensar mais na diversão e no desenvolvimento de outras habilidade e percepções que sua redução na busca da vitória sempre.

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