Entrevistas:
I- Entrevista para o
Jornal "Mundo Jovem" em 2011.
Entrevista com o
professor da PUC-Minas, da UFMG e diretor do Centro de Estudos Estratégicos do
Estado (CEEDE), José Luiz Quadros de Magalhães(1). Ele propõe um resgate dos
valores, como a honestidade, através do diálogo e do cuidado com as escolhas
que fazemos na vida.
Existe, hoje, uma
cultura de que a corrupção e a desonestidade são exclusivas dos políticos?
José Luiz: A mídia e especialmente a grande mídia tem
vinculado a corrupção com o Estado e os políticos. Em primeiro lugar é
importante lembrarmos que os vereadores, deputados estaduais e federais,
senadores, prefeitos, governadores e o presidente da república são
representantes do povo, escolhidos livremente pelo voto secreto. Precisamos
acompanhar o trabalho dos nossos representantes que devem atuar seguindo a
nossa vontade e não mais votarmos naqueles que não cumprem corretamente as suas
funções. Em segundo lugar, não existe corrupção sem a presença de dois pólos
nesta relação criminosa: o corruptor e o corrompido. Então por que a grande
mídia fala apenas nos corrompidos que seriam, quase que exclusivamente, os
políticos? Será que é possível corrupção sem os dois lados? E quem é o outro
lado desta relação? Quem paga as campanhas eleitorais para conseguir contratos
com o Estado posteriormente? Quem se beneficia dos gastos públicos em obras, em
fornecimento de bens para a administração pública. Precisamos buscar o outro
lado desta relação. A corrupção não ocorre só na política e a política reflete
valores presentes em nossa sociedade. Não podemos ficar eternamente colocando a
culpa em políticos que nós mesmos escolhemos. A grande mídia que só coloca a
culpa nos políticos quer na verdade desmoralizar o Estado e a democracia.
Existe ainda um terceiro aspecto a ser considerado. Esta corrupção que se
manifesta de diversas formas na sociedade não seria fruto de valores
predominantes no mundo contemporâneo? Não seria a sociedade de consumo em que
vivemos, onde as pessoas valem pelo que têm e não pelo que são, um fator
preponderante nestas condutas? Será que uma sociedade fundada no
individualismo, no egoísmo, na competição e na acumulação de bens tem futuro?
A competição e o individualismo, valores saudados como fundamentais em nosso sistema econômico se reflete de diversas formas na vida social. Vivemos uma sociedade da competição permanente: na TV os programas escolhem a melhor música; o melhor cantor; o melhor filme e nós reproduzimos isto no dia a dia quando escolhemos o melhor sanduíche, a melhor pizza, o melhor amigo, o melhor isto e o melhor aquilo. O problema da sociedade do melhor e que nós estamos desaprendendo a viver com a diversidade, com a pluralidade. Por que escolher a melhor música se podemos conhecer muitas músicas boas? Por que escolhermos a melhor pizza se podemos experimentar pizzas diferentes e boas? Por que as coisas não podem ser simplesmente diferentes?
A competição e o egoísmo se refletem em coisas pequenas do nosso dia a dia: desde o motorista do carro que não dá passagem; ao cara que fura a fila do cinema; o comportamento predominante é o "tenho que me dar bem e o outro que se dane". É claro que uma sociedade fundada nestes valores não pode ter futuro. Isto pode virar uma guerra de todos contra todos. Precisamos resgatar a solidariedade e a noção de comunidade como valores sociais fundamentais. A solidariedade pode acabar com a corrupção, fruto da cultura de "se dar bem" a qualquer custo.
A competição e o individualismo, valores saudados como fundamentais em nosso sistema econômico se reflete de diversas formas na vida social. Vivemos uma sociedade da competição permanente: na TV os programas escolhem a melhor música; o melhor cantor; o melhor filme e nós reproduzimos isto no dia a dia quando escolhemos o melhor sanduíche, a melhor pizza, o melhor amigo, o melhor isto e o melhor aquilo. O problema da sociedade do melhor e que nós estamos desaprendendo a viver com a diversidade, com a pluralidade. Por que escolher a melhor música se podemos conhecer muitas músicas boas? Por que escolhermos a melhor pizza se podemos experimentar pizzas diferentes e boas? Por que as coisas não podem ser simplesmente diferentes?
A competição e o egoísmo se refletem em coisas pequenas do nosso dia a dia: desde o motorista do carro que não dá passagem; ao cara que fura a fila do cinema; o comportamento predominante é o "tenho que me dar bem e o outro que se dane". É claro que uma sociedade fundada nestes valores não pode ter futuro. Isto pode virar uma guerra de todos contra todos. Precisamos resgatar a solidariedade e a noção de comunidade como valores sociais fundamentais. A solidariedade pode acabar com a corrupção, fruto da cultura de "se dar bem" a qualquer custo.
Qual o grau de
participação dos políticos na manutenção da corrupção e desonestidade no país?
José Luiz: Não acredito que os políticos
tenham uma responsabilidade maior na manutenção da corrupção. Os políticos não
são a causa do problema. Como disse acima, a causa está, entre outros fatores,
em uma sociedade que reconhece como valor supremo o sucesso pessoal
representado pela acumulação de bens. É a sociedade do salve-se quem puder.
Reparem que isto se reflete no seu dia a dia nas pequenas coisas: no trânsito;
nas filas; no campo de futebol; no trabalho; na escola.
Ser honesto é
exceção, o normal é ser corrupto? É possível ser honesto?
José Luiz: O normal não pode ser a corrupção
pelo simples fato de uma sociedade não sobreviver muito tempo a este valor
negativo. O destino da sociedade corrupta é o caos. É claro que é possível ser
honesto, e mais, é possível se transformar em uma pessoa honesta. E é muito
mais tranqüilo ser honesto.
Uma coisa importante
é aprendermos com nossas experiências. Na difícil convivência nesta sociedade
complexa fazemos escolhas ou somos levados pela correnteza do cotidiano por
caminhos difíceis e que não escolhemos. Nenhuma pessoa é estática, o que
significa dizer que o que somos hoje não seremos amanhã. Somos seres
históricos. Logo, todos erramos, fazemos escolhas erradas ou somos empurrados
como gado a situações que não desejamos. O importante é que mesmo errando
podemos aprender com os erros e nos transformarmos em pessoas melhores. Ninguém
está condenado a ser a mesma pessoa. Logo, nunca podemos reduzir uma pessoa a
um predicado, uma pessoa será sempre uma pessoa, histórica e plural.
E, "fazer
negócio", relações econômicas e comerciais não supõem um certo grau de
desonestidade?
José Luiz: Outro dia recebi um folheto de
propaganda de um curso no "sinal" de trânsito em que estava escrito o
seguinte: "aprenda a vender o mesmo produto do seu competidor por um preço
mais alto para o seu cliente." Realmente questiono muito o valor passado
por esta absurda sociedade da competição, onde o que importa é a vitória, a
qualquer preço. Me pergunto até que ponto, alguns cursos de "administração
e negócios" não ensinam isto. Bom, o efeito deste absurdo está na sociedade
em que vivemos e que se instalou de forma mais radical no final de 2008. O
neoliberalismo reproduziu estes valores negativos desde a década de 1980 e
agora começamos a sentir os seus efeitos mais perversos. A crise foi gerada por
estes valores que só podem resultar em ganância desenfreada.
Para estabelecer
relações econômicas ou fazer negócios não é necessária a desonestidade. A
desonestidade é fruto da perda dos limites em uma sociedade que idolatra a
competição e o sucesso.
Copiar trabalho da
internet, não estudar..., buscar sempre o caminho mais fácil não são sintomas
de desonestidade na escola, entre os jovens?
José Luiz: Sim, isto é muito grave. O problema
maior no campo da educação é que esta se transformou, nesta sociedade de
consumo, em um produto, e o estudante em um consumidor. Isto é o fim da escola.
A pior conseqüência é que o estudante, muitas vezes, acredita que o objetivo do
curso é o diploma e não o aprendizado. Isto é uma grande ilusão. Ora, se o
objetivo é o diploma, o professor o aprendizado o curso enfim, passa a ser um
obstáculo para se chegar ao diploma. Perde-se a percepção de que é o
aprendizado que importa. Assim, em uma típica inútil relação de consumo o aluno
compra a prazo seu diploma para depois pendurar na parede de sua casa. Existem
cursos em que alguns estudantes saem piores do que entraram, em outros alguns
saem ilesos.
O pior de tudo é quando encontramos estudantes que não querem saber: em meio a tanta informação disponível vivemos o fenômeno da incuriosidade.
O pior de tudo é quando encontramos estudantes que não querem saber: em meio a tanta informação disponível vivemos o fenômeno da incuriosidade.
Há possibilidade de
reverter esse quadro? Como abordar este tema na escola?
José Luiz: É claro que é possível reverter:
precisamos refundar nossa sociedade. Precisamos de solidariedade, fraternidade,
diálogo, diálogo, diálogo... Não precisamos de tantas bugigangas, de tanto
consumo; não precisamos do egoísmo e a competição deve ficar para os esportes, espaço onde penso até que ponto esta competição é mesmo necessária. Talvez nos esportes devessemos, também, pensar mais na diversão e no desenvolvimento de outras habilidade e percepções que sua redução na busca da vitória sempre.
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