Acelerando até o fim.
José Luiz Quadros de Magalhães
Uma metáfora[i]: As vezes imagino a sociedade de consumo
do pós-guerra, especialmente nos últimos 30 anos neoliberais (a sociedade do
gozo) como uma Ferrari, linda, amarela (amarelo desespero pois não dá pra ser
vermelho, a cor da esperança – e não há esperança na sociedade do ultra consumo
e da competição) acelerando a quinhentos quilômetros por hora, por uma bela
estrada reta que termina em uma ponte destruída logo a 40 quilômetros à frente.
Dentro da Ferrari gigante estamos todos nós, muitos sorridentes, curtindo aquela
experiência única; alguns tentando desacelerar para descer do carro e brincar
de outra coisa; alguns chamando a atenção para o caminho errado e que levará de
forma inevitável ao fim; e outros dormindo, um sono profundo, sonhando com a
própria Ferrari. Muitos já foram deixados pelo caminho. Não puderam embarcar.
Muitos mesmo! Não se pode dizer que estes muitos que não embarcaram tiveram
sorte, pois a estrada fica em um deserto (pode ser Atacama, o mais seco do
mundo) e não têm água, comida e abrigo para sobreviverem no sol escaldante ou
no frio da noite.
Uma boa metáfora é um bom instrumento para enxergarmos o absurdo. Queria
recomendar a leitura de um grande mestre da metáfora. O escritor suíço
Friedrich Dürrenmatt (“ah eu com um nome desses!”). Em uma das três história de
seu livro “A pane; O túnel; O cão”, distraídos suíços embarcam em um trem que
após algum tempo de viagem entra em um túnel. Ora, os túneis são comuns na
Suíça. São muitas e belas as montanhas. Entretanto, o túnel que deveria ser
passado em poucos minutos não termina. Vão passando os minutos e o personagem
principal fica cada vez mais preocupado. Passam-se muitos minutos e apenas o
personagem principal fica preocupado. As outras pessoas permanecem fazendo o
que estavam fazendo, não percebendo nada. Até o maquinista, estranhando um
pouco, nada faz para mudar a situação (podia frear, por exemplo). Mas ao
contrário acelera.
Porque a maioria das pessoas ainda não percebeu? Porque alguns trens continuam
acelerando sabendo que o túnel já deveria ter acabado há muito tempo.
Ideologia!
[i] Figura
de linguagem que consiste em transpor o significado de um termo (ou enunciado)
para outro termo ( ou enunciado) em virtude de uma analogia ou de uma
comparação subentendida (ex.: lábios de rubi, que pressupõe a comparação lábios
vermelhos como rubi). (Dicionário Enciclopédico Ilustrado Larousse, São Paulo,
Larousse do Brasil, 2007.
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