O TREM
DA VIDA
NOMEAÇÃO
DE GRUPOS: um poderoso instrumento ideológico
José Luiz Quadros de Magalhães
A construção dos significados que escondem complexidades e diversidades é um tema do livro de Alain Badiou: La portée du mot juif . Cita o autor um episódio ocorrido na França há algum tempo atrás. O primeiro-ministro Raymond Barre comentando um atentado a uma sinagoga disse para a imprensa francesa: “...morreram judeus que estavam dentro da sinagoga e inocentes que passavam na rua quando a bomba explodiu.” Qual o significado da palavra “judeu” agiu de maneira indisfarçável na fala do primeiro-ministro? A palavra “judeu” escondeu toda a diversidade histórica, pessoal do grupo de pessoas que são chamadas por este nome. A nomeação é um mecanismo de simplificação e de geração de preconceitos que facilita a manipulação e a dominação. A estratégia de nomear grupos de pessoas facilita a dominação.
Badiou menciona que o antissemitismo (judeofobia) de Barre não mais é tolerado pela média da opinião pública francesa. Entretanto um outro tipo de judeofobia surgiu, vinculado aos movimentos em defesa da criação do estado palestino. No livro, Badiou não pretende discutir o novo ou o velho antissemitismo, mas debater a existência de um significado excepcional da palavra “judeu”, um significado sagrado, retirado do livre uso das pessoas.
Assim como ocorre com varias outras
palavras, de forma menos radical (liberdade e igualdade, por exemplo), a
palavra “judeu” foi retirada do livre uso. Ela ganhou um status sacralizado
especial, intocável. O seu sentido é pré-determinado e intocável, vinculado a
um destino coletivo, sagrado e sacralizado, no sentido que retira a
possibilidade das pessoas enxergarem a complexidade, historicidade e
diversidade das pessoas que recebem este nome.
Uma lição importante que se pode
tirar da questão judaica, da questão palestina, do nazismo e outros nomes que
lembram massacres ilimitados de pessoas, é a de que, toda introdução enfática
de predicados comunitários no campo ideológico, político ou estatal, seja de
criminalização (como nazistas e fascistas), seja de sacrifício (como cristãos
no passado e judeus e mulçumanos no presente), estas nomeações nos expõem ao
pior.
Vários equívocos podem ser
percebidos quando da aceitação ou utilização do predicado radical para
significar comunidades, países, religiões, etc. Por exemplo, podemos encontrar
pessoas comprometidas com projetos democráticos, fechando os olhos ou mesmo apoiando
um antissemitismo palestino, tudo pela opressão do “estado judeu” aos
palestinos, ou, do outro lado, a tolerância de outras pessoas, também
comprometidas com um discurso democrático, com praticas de tortura e
assassinatos seletivos por parte do estado de Israel, por ser este estado um
“estado judeu”.
Combater as nomeações, a sacralização de determinados nomes, significa defender a democracia, o pluralismo, significa o reconhecimento de um sujeito que não ignora os particularismos mas que ultrapasse este; que não tenha privilégios e que não interiorize nenhuma tentativa de sacralizar os nomes comunitários, religiosos ou nacionais.
Badiou dedica o seu livro a uma pluralidade irredutível de nomes próprios, o único real que se pode opor a ditadura dos predicados.
Combater as nomeações, a sacralização de determinados nomes, significa defender a democracia, o pluralismo, significa o reconhecimento de um sujeito que não ignora os particularismos mas que ultrapasse este; que não tenha privilégios e que não interiorize nenhuma tentativa de sacralizar os nomes comunitários, religiosos ou nacionais.
Badiou dedica o seu livro a uma pluralidade irredutível de nomes próprios, o único real que se pode opor a ditadura dos predicados.
O filme “trem da vida” é um
maravilhoso poema a pluralidade de nomes próprios que foram reduzidos a um
predicado “judeu” na segunda guerra mundial. O filme ressalta a pessoa, os
grupos dentro dos grupos, e como a identificação com determinados grupos dentro
de um outro grupo gera segregação. A análise histórica da invenção de uma
identidade coletiva e da criação de identificações com grupos, religiões,
estados, partidos, ideias, mostra a força e o perigo da segregação que daí
decorre, anulando o sujeito livre, com a anulação do nome próprio em nome de
uma nomeação coletiva (um nome do grupo).
Um mundo onde a pessoa seja vista
sempre como pessoa, em toda sua complexidade e singularidade, sejam quais forem
suas identificações ou identidades, este é o mundo onde a diversidade
democrática será possível. Lembrando Badiou, toda nomeação na terceira pessoa,
nós x eles, é um passo perigoso em direção ao extermínio. Esta equação pode ser
substituída por outros nomes coletivos como “nós os adolescentes x eles os
menores”; “nós os Tutsis x eles os Utus”; “nós a classe média x eles os
favelados”. O uso do “eles” é uma autorização à exclusão, ao extermínio e a
discriminação. É como se “eles” fossem uma categoria diferente de pessoa, uma
meia pessoa, ou não pessoa. Os processos decisórios que jogam pessoas (eles os
sem teto) na rua; as prisões ilegais de adolescentes (eles os menores)
autorizadas pelas “autoridades”; o encarceramento em massa de pessoas (eles os
pobres) como política oficial do estado; as guerras e sanções econômicas que
levam centenas de milhares de pessoas (eles os muçulmanos) à morte; e muitos
outros exemplos são repetições diárias das práticas nazistas do “nós” x “eles”.
Toda vez que a expressão “eles” é pronunciada, o Eichman (o carrasco nazista
que foi responsável pela morte de milhões de “eles os judeus”) se manifesta
dentro das pessoas.
O mais insuportável é pensar que
Eichman não era um monstro, mas uma pessoa que não reconhecia, nos outros,
pessoas singulares, mas sim “eles, os judeus” que para ele não eram seres
humanos. Da mesma forma, assistimos ainda hoje como “eles” os “menores” são
encarcerados no Brasil (se fossem “adolescentes” não estariam ali); ou “eles”
os “pobres” que tem suas casas invadidas por agentes do Estado (se fossem ricos
as casas seriam protegidas pelo Estado e não invadida por representantes deste);
ou “eles” os “pobres” que são esquecidos nos presídios (pois se fossem ricos
teriam dinheiro para pagar um advogado e provavelmente não estariam presos); ou
“eles” que dormem embaixo de uma ponte, ou morrem de fome, ou são torturados,
ou são despejados, ou...........
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