domingo, 17 de novembro de 2013

26- Crônica: Seres coletivos, nós somos: sobre teorias e simplificações



Seres coletivos, nós somos: sobre teorias e simplificações
por José Luiz Quadros de Magalhães

As teorias enquanto simplificações coerentes sistematizadas do real observado constroem códigos próprios que passam a ser instrumentos não só de compreensão mas também de limitação do campo de compreensão e muitas vezes como exercício de poder de grupos sobre outros grupos. Ou seja, se o conhecimento pode ter o condão de libertar, pode também, um conhecimento elitizado, escondido em códigos secretos, ou labirintos lingüísticos, tornar-se fator de dominação ideológica, dominação esta, fundamental para a legitimação de poderes excludentes.
Simplificando e procurando simplificar a saída do labirinto, podemos pensar que o conhecimento científico, organizado e sistemático, construído sobre bases metodológicas, explica e reorganiza práticas que têm seu método e coerência própria, ou em outras palavras: o conhecimento popular e as práticas sociais não se resumem às manifestações tradicionais não reflexivas, fundamentos religiosos e preconceitos, enquanto que, a ciência moderna, impregnou-se de preconceitos, novas sacralizações e verdades formais arrogantes e pré-potentes. Sem negar um e outro, ou sem escolher um ou o outro, a história pode nos ensinar que por meio de uma racionalização podemos organizar a produção de um conhecimento construído no cotidiano, retirando os preconceitos e tradições não reflexivas do que chamamos “senso comum”, desde que a ciência também não construa preconceitos sofisticados e novas sacralizações para uma nova prática religiosa; ou: muitas pessoas em muitos momentos da história acharam que inventaram a roda, e muitos ainda continuam inventando, de novo e de novo...
Um outro problema decorre destas reflexões e se refletem diretamente no Direito moderno: a crença no individuo como unidade desconectada do entorno, como uma pretensão de soberania de vontade que permanece no tempo e como uma pessoa que permanece essencialmente a mesma. Em outras palavras uma identidade individual permanente. Esta ficção liberal pretende atribuir aos indivíduos criações, construções, invenções, inovações que são construções históricas permanentes e logo não podem ser apropriadas pelo individuo. Assim, em algum momento, a partir de uma construção histórica coletiva, alguém chega a um resultado, uma nova teoria, uma descoberta científica, uma inovação tecnológica, uma obra artística, etc. A lógica individualista leva a que esta pessoa se aproprie de anos, décadas, séculos de construção. Assim aprendemos que "fulano" inventou isto, "cicrano" descobriu aquilo outro e assim por diante. Essa pretensão não nos permite compreendermo-nos como seres singulares e coletivos que somos, sempre fruto da vivencia com os outros. Marx não produziu sua teoria do nada, assim como Santos Dumont não partiu do zero para a construção de seu 14 Bis, e assim por diante. Tudo é fruto de processos coletivos de construção permanente, inclusive nós mesmos. A genialidade de algumas pessoas nos faz visualizar uma espécie de pescador: alguém que sem esforço encontra melodias, pesca sinfonias, e como que uma antena aberta ao universo é capaz de visualizar obras magistrais. Outros de nós são sistematizadores, capazes de captar séculos de construção e sintetizá-los em uma criação útil. Mas o que é fundamental para compreensão do complexo processo de transformação por que passamos, é a percepção de uma dinâmica e complexa unidade de uma história que se constrói permanentemente.

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