domingo, 17 de novembro de 2013

12- Ensaio: Sobre a corrupção, drogas, bullying, ataques em escolas e outras violências - por José Luiz Quadros de Magalhães



Sobre a corrupção, drogas, bullying, ataques em escolas e outras violências.
por José Luiz Quadros de Magalhães

            Já citamos antes, mas voltamos a insistir. O filósofo esloveno Slavoj Zizek em sua obra "Sobre la violencia: seis reflexiones marginales"[2] desenvolve três conceitos de violência que são importantes para entendermos os equívocos das políticas de encarceramento e aumento das penas e controle sobre as pessoas. Zizek nos fala de três formas de violência:
            a) Uma violência subjetiva que representa a decisão, vontade, de praticar um ato violento. A violência subjetiva representa a quebra de uma situação de (aparente) não violência por um ato violento. A normalidade seria a não violência, a paz e o respeito às normas (normalidade) que é interrompida por um ato de vontade violento.
            b) A violência objetiva, diferente da violência subjetiva é permanente. A violência objetiva são as estruturas sociais e econômicas, as permanentes relações que se reproduzem em uma sociedade hierarquizada, excludente, desigual, opressiva e repressiva.
            c) A violência simbólica é também permanente. Esta violência se reproduz na linguagem, na gramática, na arquitetura, no urbanismo, na arte, na moda, e outras formas de representação. Para entendermos melhor, podemos exemplificar a violência simbólica presente na gramática: em diversos idiomas os sobrenomes se referem exclusivamente ao pai ou ainda, o plural, no idioma português, por exemplo, sempre vai para o masculino. Assim, se estiverem em uma sala 40 mulheres e um homem, diremos: "eles estão na sala". O plural para uma mulher passeando com um cachorro será: "eles estão passeando". A violência simbólica, assim como a violência estrutural, objetiva, atuam permanentemente.
            Assim, de nada adianta construirmos políticas públicas de combate à violência subjetiva sem mudarmos as estruturas socioeconômicas opressivas e desiguais (violentas) ou todo o universo de significações e representações que reproduzem a desigualdade, a opressão e a exclusão do "outro" diferente, subalternizado, inferiorizado.
            Um exemplo interessante: a escola moderna é um importante aparelho ideológico[3], reproduzindo a mão de obra necessária para ocupar os postos de trabalho que permitirão o funcionamento do sistema socioeconômico assim como reproduzindo os valores e justificativas necessárias para que as pessoas se adequem e não questionem seriamente o seu lugar no sistema social (e no sistema de produção e reprodução). A escola, portanto, tem a fundamental função de uniformizar valores e comportamentos. O recado da escola moderna é: adeque-se; conforme-se; este é o seu lugar no sistema.
            Simbolicamente, a escola moderna diz diariamente isso aos seus alunos, por meio do uniforme. Sem o uniforme, a meia, a calça, a camisa e os sapatos da mesma cor, o aluno não pode assistir a aula. Durante muito tempo, e ainda hoje em algumas escolas uniformiza-se os cabelos, o andar, o sentar, e claro mas um monte de outras coisas mais profundas como o pensar, o desejar e o gostar. A criança desde cedo deve se vestir da mesma forma, se comportar da mesma maneira, palavras mágicas, sem as quais as portas não se abrem. Pois bem, vamos ao problema: a criança, mesmo que não seja dito por meio da palavra (o que também ocorre), simbolicamente percebe, diariamente, todo o tempo, que não há lugar para quem não se normaliza, uniformiza. O recado muito claro da escola moderna é: o uniformizado é o bom; não há lugar para o diferente (não uniformizado); para o que se comporta diferente, se veste diferente, ou de alguma forma não se enquadra no padrão. É claro que esta criança, processando o recado permanente (dito e repetido de várias formas) irá compreender que o padrão é bom e o diferente do padrão é ruim. No seu universo de significados em processo de construção, o diferente deve ser excluído, afastado, punido, uma vez que o que foge ao padrão não pode assistir a aula, não pode sequer permanecer na escola. Logo, quando esta criança percebe alguém ou algo em alguém que para ela, é diferente do padrão (o cabelo; uma roupa; a cor; a forma do corpo; da fala; do olhar) esta criança irá de alguma forma reagir a ameaça do diferente, excluindo e punindo o diferente "ruim".
            Em outras palavras, a escola moderna ensina diariamente a criança a praticar o "bullying". Vejamos então a ineficiência das políticas de combate à violência, à discriminação, à corrupção que padecem, todas, deste mal. No exemplo descrito acima, a escola, o estado, os governos, criam políticas públicas pontuais de combate ao "bullying" (a tortura mental e agressão física decorrente da discriminação do "diferente") ao mesmo tempo que mantém uma estrutura simbólica que ensina a discriminação (o "bullying").
            Voltamos aos conceitos de violência: toda política de combate à violência; às drogas; à corrupção, serão sempre ineficazes se não se transformarem as estruturas sociais e econômicas que permanentemente criam as condições para que esta violência subjetiva se reproduza, assim como o sistema simbólico que continua, da mesma forma reproduzindo a violência. Para acabar com a violência subjetiva só há uma maneira: acabar com a violência simbólica e objetiva. Para acabar com o "bullying" na escola só mudando as estruturas uniformizadoras e excludentes presentes diariamente na escola; para acabar com a corrupção só transformando o sistema social e econômico e de valores (condições objetivas e simbólicas) que reproduzem as condições para que esta (a corrupção) se torne parte da estrutura social e econômica vigente.
            De nada adiantarão as constantes políticas públicas pontuais e superficiais de combate a corrupção, criminalidade, drogas (álcool e direção por exemplo), bullying e outros problemas, se estas políticas atacarem apenas os efeitos de forma repressiva e (ainda pior) com o direito penal, o aumento do controle e da punição. Os resultados serão enganosos, sempre, se não respondermos algumas perguntas: porque a corrupção? Quais são os elementos estruturais e simbólicos em nossa sociedade que reproduzem as condições para a corrupção, a discriminação, as drogas, o alcoolismo e várias formas de violências diária?

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