Uma Justiça Administrativa de
Mediação Municipal
por José Luiz Quadros de Magalhães
O federalismo brasileiro inova ao
trazer um federalismo de três níveis, incluindo o município como ente federado,
ao adquirir a capacidade de auto organização, em outras palavras, ao receber da
Constituição Federal competências constitucionais, o chamado poder constituinte
decorrente. Esta nova configuração prevê uma divisão vertical e horizontal de
poderes. Assim, a União têm a organização de seus três poderes (o executivo,
legislativo e judiciário) prevista na Constituição Federal; os Estados Membros
recebem da Constituição Federal (e do Poder Constituinte Originário que a
criou), competência para organizar os seus três poderes; e o Município, recebe
também, da Constituição Federal, a competência constitucional de organização de
dois poderes, o executivo e o legislativo municipal. Portanto, importante
ressaltar, que o Município não têm a possibilidade de criar e organizar um
Poder Judiciário Municipal, e para que isto ocorra, será necessário uma emenda
a Constituição Federal.
Não acreditamos, entretanto, que
seja necessário, ou talvez mesmo
desejável reformar a Constituição para autorizar a criação de um Judiciário
Municipal. O Poder Judiciário, na sua conformação moderna, precisa mudar, e o
caminho que a Justiça (Instituição) pode trilhar para trazer efetivamente
Justiça (valor e realidade social), já pode ser trilhado pelo município na
criação de um órgão administrativo, vinculado ao executivo municipal, para
promover a mediação. Na mediação não há jurisdição, nem mesmo administrativa,
pois a solução dos conflitos é construída consensualmente pelas partes, e o
estado apenas oferece um mediador profissional, habilitado, para permitir a
composição consensual entre as partes. Neste caso o estado (em sentido amplo,
leia-se união, estado e município) não diz o direito ao caso concreto, como faz
o poder judiciário, mas permite que as partes construam e criem consensos sobre
os seus direitos.
Existe uma enorme vantagem em uma
"justiça" consensual (administrativa) sobre a jurisdição estatal
(poder judiciário) para a resolução de conflitos, e isto se mostra de forma
cada vez mais clara. Porque? Para entendermos a proposta vamos partir da
seguinte proposição: "Roma locuta, Causa finita". O que significa
isto. A expressão vem do império romano e significava que, quando o império
(Roma) se pronunciava, o conflito, a causa, a controvérsia acabava.
O que isto tem a ver com o poder
judiciário? A lógica é a mesma e perpassa o funcionamento dos poderes do estado
na atual democracia representativa majoritária constitucional. Esta lógica no
legislativo funciona quando, apresentado um projeto de lei, este é seguido de
debate e posteriormente, diante da necessidade de decisão, vota-se e a maioria
se pronuncia. Assim, a maioria se expressou, a minoria acata e o debate se
encerra, mesmo com a insatisfação da minoria. No judiciário o processo é
semelhante: alguém que julga ter seu direito comprometido aciona o judiciário,
a outra parte, ré no processo contesta, são feitas provas, a partes se
pronunciam, garantindo a ampla defesa e contraditório, e, por fim o estado (por
meio do juiz) se pronuncia, ocorrem recursos, razões, contrarrazões, e por fim
o estado se pronuncia novamente, acabando a controvérsia (a lide, a causa),
mesmo que as partes não estejam satisfeitas com a decisão (que em geral
desagrada as partes, vencedores e vencidos). Neste sistema, não interessa (mas
deveria interessar) ao juiz, se as partes estão satisfeitas com a decisão
final. A causa acaba após a sentença, mas o conflito permanece latente, diante
da insatisfação dos envolvidos. Esta série de insatisfações podem se acumular e
se manifestar de formas distintas, inclusive violentas em um outro momento
futuro.
É justamente neste sentido, para
enfrentar esta insatisfação latente, que,
hoje, vem ganhando força uma justiça de mediação, que evite que o
conflito chegue no processo judicial moderno de jurisdição estatal, que
aparecerá, em uma nova concepção de justiça, como ultima instância a ser
utilizada pelos cidadãos para solução de conflitos.
Pois é neste momento que aparece o
papel fundamental do município na efetiva solução de conflitos. A criação de
uma justiça administrativa municipal de mediação, vinculada ao poder município
não viola a Constituição Federal, pois não estabelece uma jurisdição (judicial
e nem mesmo administrativa), pois será um espaço, importante para composição,
para a construção de consensos, onde as parte irão construir a solução dos seus
conflitos. A auto solução consensual supera o mal-estar gerado pela intervenção
estatal de forma imperial, não se importando para o sentimento das partes. A
criação de um espaço de mediação municipal forte poderá, se feito de forma
profissional e determinada, filtrar inúmeros conflitos e evitar diversas
insatisfações e mal-estares diminuindo enormemente a pressão sobre o poder
judiciário estadual e federal.
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